domingo, 20 de março de 2011

Apesar de

"- Lóri, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranquilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso."

quinta-feira, 3 de março de 2011

Verdades e concessões [a/c Dani Yoko]

"'A mentira é uma arma valiosa. E a verdade é sempre uma concessão arriscada.' Faço dessas palavras as minhas.

Mas ainda acredito que essa concessão, apesar de arriscada, valha a pena. E porque vale tanto, é que não se entrega de bandeja por aí. Que nos preservemos para a liberdade que um dia virá. O segredo é só não temer quando ela chegar e evitar correr o risco de ser eternamente para os outros o que não se é.

Eu te entendo. Completamente."


Acho que viver é simplesmente aprender a fazer essa concessão na hora certa, pra pessoa certa. A gente tenta e tenta e tenta e erra muitas vezes até saber exatamente a medida certa entre se esconder e se mostrar. Se conseguir, mesmo que uma única vez, o esforço vale a pena.

[Mas Dani, creio que há outro risco além de ter medo da liberdade e ser eternamente para os outros o que não se é: o de mostrar-se na hora errada e acabar tendo uma parte de si pisoteada por quem recebeu mais do que merecia e acabou sem saber como lidar com tamanha preciosidade. Porque a identidade é uma joia. Há de se estar preparado para ceder a sua -- mas também para receber a de alguém.]

terça-feira, 1 de março de 2011

Por algum tempo mais

"O Gabriel García Márquez dizia que escrevia para que gostassem dele. É possível. É mais exacto dizer que a gente escreve porque não quer morrer. Ser amado pelo outro não está na nossa mão; podemos escrever para que isso aconteça, e depois acontecerá ou não. Já que temos que morrer, que alguma coisa fique. Não é imortalidade… isso seria um disparate. Trata-se de um reconhecimento por algum tempo mais."

Público (Ípsilon), Lisboa, 7 de Novembro de 2008
In José Saramago nas Suas Palavras

Dos Outros Cadernos de Saramago: http://caderno.josesaramago.org/