"Eu me sinto sozinho", ele disse, e fechou os olhos. Sentir-se sozinho era a forma única e mais segura que ele conhecia de se colocar em contato com seu eu mais secreto e vulnerável, aquele ao qual só conseguia acesso no escuro mais denso no qual podia se considerar invisível. "Eu me sinto sozinho e tenho saudade". Porque era afinal possível ter posse de um sentimento, mesmo de um que não sabia definir.
Essa era a hora em que ele removia o chão sólido e falso que dava acesso ao porão onde mantinha aprisionado o seu âmago, perigoso que era. E descia, sem objetivo em mente além de ficar num estado de meditativa contemplação em relação à sua contraparte. Porque prender também é uma forma de proteger.
A lot of nonsense gathered together
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
"Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão?
Pois é a coisa mais última que se pode dar de si, disse Ulisses."
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quinta-feira, 22 de novembro de 2012
E se...
... a dor forçada seja uma forma de libertação?
(talvez, no fundo, eu não seja tão ruim assim)
(talvez, no fundo, eu não seja tão ruim assim)
terça-feira, 25 de setembro de 2012
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Uma história que podia ser a sua (ou a minha, ou a de qualquer um(a))
O que acontecia na verdade com ela é que, por alguma decisão tão profunda que os motivos lhe escapavam -- ela havia por medo cortado o amor. Mas havia cortado o amor sem ter em mãos nada que o substituísse -- passando a creditar a nada sua razão de existir. E assim os dias lhe passavam todos iguais, donos de uma rotina absoluta que só se dissolvia um pouco durante algumas noites quando ela se permitia, no que chamava de liberdade, uma embriaguez que a afastava da monocromia de sua vida.
O problema era que quando o sol raiava no dia seguinte o inebriamento já havia passado e o dia voltava a ser irrevogavelmente cinza. Sem o amor, vivia numa permanente dualidade: por fora, uma alegria e uma empolgação aparentes e convincentes em relação a tudo que pudesse se passar por distração e servir para esquecer um pouco o que se passava por dentro: um vazio de alma que só sentia quem estava perdido no seu próprio mundo e no alheio, sem forma visível de contato.
Foi então que ele apareceu na sua vida. Ele, que não se aproximara dela por mais do que o desejo pelas belas curvas de seu corpo, sabia enxergar além das aparências e agora parecia perceber o quão inatingível ela era. E não apenas inatingível por ele, mas por ela própria e pelo mundo. Ela vivia numa espécie de alienação que a afastasse do vazio que o abandono do amor lhe causara, e nisso ela se alienava de si mesma e mantinha seu lado mais interior invisível -- a ponto de nem ela conseguir recordar a essência de seu âmago. E então se reduzira ao próprio escapismo de seu passado e da dor que o acompanhava.
No início, estava apenas interessada em esquecer junto dele. Ele também parecia fugir -- não se sabe bem de quê, mas ele avançava rápido em qualquer direção que o lembrasse pouco de onde vinha, até que percebeu que uma fuga conjunta era impossível pois um sempre lembraria o outro de que estavam correndo e acabariam por continuamente reviver o que tentavam, juntos, esquecer. Então a pretensão aumentou e agora ela queria que ele, sendo, suplantasse tudo o que qualquer um tinha chegado a ser em todos os infinitos séculos de existência do mundo. Mas logo abandonou também a ideia por motivos de inviabilidade: o mundo era velho demais e sempre haveria alguém mais bem sucedido na tentativa de: ser. Contentou-se enfim em ser desejada.
Já fora desejada por inúmeros homens antes mas o desejo que ele oferecia era diferente: não era um desejo puramente carnal de quem quer possuí-la mas um desejo paciente, de alguém decidido a saborear cada infinitésimo do que ela era, até os recantos de alma que ela nunca tinha visitado. Sobretudo era um desejo de alguém que queria possuí-la por inteiro. E em sua espera ela se deleitava, sabendo que podia brincar de se vestir e se despir com os vários guarda-roupas de peles e personalidades e vontades que acumulara na sua curta experiência de viver. Sabendo que o teria pacientemente observando, aproveitando cada átimo da espera como se fosse a própria realização do desejo contido.
Mas esperar em excesso invoca a impaciência que só sente quem está perto demais do que quer e logo se viram no impasse de não saber como lidar com o momento em que se encontrariam por fim. Até porque havia a dúvida: o que fazer quando se tem alguém? Possuir uma pessoa é muito mais grave que possuir um objeto: enquanto um objeto pode ser descartado quando sua utilidade acaba, os laços que prendem pessoas são muito mais delicados e a posse é muitas vezes mútua. E ela não estava sequer certa sobre se estava disposta a despender o esforço necessário a quem divide-se entre ser e ter propriedade.
Na verdade, não tinha sequer certeza sobre se quereria se envolver: ele despertava nela, sim, um desejo sincero e profundo como o desejo do que não se conhece e do que não se pode desvendar, mas às vezes pensava que era muito o que pedia em troca: ela toda. Ele a exigiria em sua plenitude e isso a colocaria em contato com sua parte mais íntima que ela evitava encarar. Sim, tinha medo principalmente da intimidade: não da intimidade de corpos porque a esta já estava habituada, mas da intimidade de almas que era do que ele tinha fome.
A saída era desistir. Se invadir um corpo era crime hediondo, invadir uma alma era tão pior que ainda era tabu -- fazia-se silêncio sobre sua gravidade como que para evitar dar a ideia do crime a alguém. Ela encontraria um outro ele: um a quem pudessem se possuir sem a necessidade de criar laços. Ele podia não provocar nela um desejo como o outro tinha sido capaz de provocar. Podia inclusive não desejá-la tanto. Não tinha importância. Se sobretudo ele assinasse o pacto silencioso prometendo não a descobrir, tudo ficaria bem.
O problema era que quando o sol raiava no dia seguinte o inebriamento já havia passado e o dia voltava a ser irrevogavelmente cinza. Sem o amor, vivia numa permanente dualidade: por fora, uma alegria e uma empolgação aparentes e convincentes em relação a tudo que pudesse se passar por distração e servir para esquecer um pouco o que se passava por dentro: um vazio de alma que só sentia quem estava perdido no seu próprio mundo e no alheio, sem forma visível de contato.
Foi então que ele apareceu na sua vida. Ele, que não se aproximara dela por mais do que o desejo pelas belas curvas de seu corpo, sabia enxergar além das aparências e agora parecia perceber o quão inatingível ela era. E não apenas inatingível por ele, mas por ela própria e pelo mundo. Ela vivia numa espécie de alienação que a afastasse do vazio que o abandono do amor lhe causara, e nisso ela se alienava de si mesma e mantinha seu lado mais interior invisível -- a ponto de nem ela conseguir recordar a essência de seu âmago. E então se reduzira ao próprio escapismo de seu passado e da dor que o acompanhava.
No início, estava apenas interessada em esquecer junto dele. Ele também parecia fugir -- não se sabe bem de quê, mas ele avançava rápido em qualquer direção que o lembrasse pouco de onde vinha, até que percebeu que uma fuga conjunta era impossível pois um sempre lembraria o outro de que estavam correndo e acabariam por continuamente reviver o que tentavam, juntos, esquecer. Então a pretensão aumentou e agora ela queria que ele, sendo, suplantasse tudo o que qualquer um tinha chegado a ser em todos os infinitos séculos de existência do mundo. Mas logo abandonou também a ideia por motivos de inviabilidade: o mundo era velho demais e sempre haveria alguém mais bem sucedido na tentativa de: ser. Contentou-se enfim em ser desejada.
Já fora desejada por inúmeros homens antes mas o desejo que ele oferecia era diferente: não era um desejo puramente carnal de quem quer possuí-la mas um desejo paciente, de alguém decidido a saborear cada infinitésimo do que ela era, até os recantos de alma que ela nunca tinha visitado. Sobretudo era um desejo de alguém que queria possuí-la por inteiro. E em sua espera ela se deleitava, sabendo que podia brincar de se vestir e se despir com os vários guarda-roupas de peles e personalidades e vontades que acumulara na sua curta experiência de viver. Sabendo que o teria pacientemente observando, aproveitando cada átimo da espera como se fosse a própria realização do desejo contido.
Mas esperar em excesso invoca a impaciência que só sente quem está perto demais do que quer e logo se viram no impasse de não saber como lidar com o momento em que se encontrariam por fim. Até porque havia a dúvida: o que fazer quando se tem alguém? Possuir uma pessoa é muito mais grave que possuir um objeto: enquanto um objeto pode ser descartado quando sua utilidade acaba, os laços que prendem pessoas são muito mais delicados e a posse é muitas vezes mútua. E ela não estava sequer certa sobre se estava disposta a despender o esforço necessário a quem divide-se entre ser e ter propriedade.
Na verdade, não tinha sequer certeza sobre se quereria se envolver: ele despertava nela, sim, um desejo sincero e profundo como o desejo do que não se conhece e do que não se pode desvendar, mas às vezes pensava que era muito o que pedia em troca: ela toda. Ele a exigiria em sua plenitude e isso a colocaria em contato com sua parte mais íntima que ela evitava encarar. Sim, tinha medo principalmente da intimidade: não da intimidade de corpos porque a esta já estava habituada, mas da intimidade de almas que era do que ele tinha fome.
A saída era desistir. Se invadir um corpo era crime hediondo, invadir uma alma era tão pior que ainda era tabu -- fazia-se silêncio sobre sua gravidade como que para evitar dar a ideia do crime a alguém. Ela encontraria um outro ele: um a quem pudessem se possuir sem a necessidade de criar laços. Ele podia não provocar nela um desejo como o outro tinha sido capaz de provocar. Podia inclusive não desejá-la tanto. Não tinha importância. Se sobretudo ele assinasse o pacto silencioso prometendo não a descobrir, tudo ficaria bem.
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sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Sea lo que quera Dios que sea
Dói tanto. É um grande desespero. O desespero de saber-se há muito preparado para um momento que não chega. Estou plenamente preparado para o amor mas nunca me ensinaram a me preparar para a preparação do amor. Estou pronto para um lugar onde não sei chegar. Sou como um atleta preparado para os Jogos Olímpicos a quem ninguém disse que ninguém nasce lá dentro. E que não sabe as regras da classificação. Mas que sobretudo não sabe esperar. Porque todo instante que passa te aproxima da morte e esperar também é morrer um pouquinho. E não estou pronto pra morrer. Passei toda a vida acreditando que qualquer um sempre estava pronto pra morrer mas agora sei que não: é necessário um grande ritual. E estou pronto para o amor, não para a morte. Mesmo que não saiba como fazê-lo nascer.
Ou será o amor uma ressuscitação? Será que todo o sentido da infinita espera seja justamente o de deixá-lo morrer para que renasça, novo e puro, como que das cinzas? Então morra logo, amor, morra logo para que eu possa assistir já o espetáculo do ressurgimento. Não sei esperar. E a preparação para o que não chega é inútil. Portanto morra logo, enquanto estou vivo e ainda há tempo. Tempo de quê? Não sei, tempo. Só se sabe o que fazer com um brinquedo quando se olha pra ele, antes disso qualquer planejamento é inútil. Uma vez esperei por muitos anos (veio daí meu ódio pela espera?) um presente e planejei cuidadosamente todas as formas de usá-lo antes mesmo de tê-lo em mãos. Tinha em mente anos de ocupação -- tudo absolutamente vão. Finalmente recebi-o e não sabia mais o que fazer com ele -- tinha-o esgotado em pensamento. Mas não tinha importância: passei a olhá-lo com calma -- porque sei ter calma sem espera -- e percebi nele milhões de novos detalhes que meu pensamento nunca seria capaz de captar, sozinho. E inventei inesgotáveis milhões novas formas de brincar.
Vou explicar: meu ódio da espera vem da sensação de impotência: o que se pode fazer esperando? É uma agonia tão grande a da expectativa. Estou por exemplo há tempos esperando uma viagem que não chega nunca. E o desespero não é nem o de ir embora porque esse eu não o tenho. O problema é o status social de quem espera: o de um amputado. De repente você se vê fora de todos os planos, como se a iminência da partida fosse razão para exclusão -- decidem que é e pronto, estou invalidado. Como se a espera te impossibilitasse de assumir compromissos: eu que vou embora e os outros que têm medo. Pois digo uma coisa: deixem um pouco de ansiedade pra mim também. Porque, apesar do ditado, a partida não é mais fácil pra quem vai do que pra quem fica: a ruptura é recíproca.
Ou será o amor uma ressuscitação? Será que todo o sentido da infinita espera seja justamente o de deixá-lo morrer para que renasça, novo e puro, como que das cinzas? Então morra logo, amor, morra logo para que eu possa assistir já o espetáculo do ressurgimento. Não sei esperar. E a preparação para o que não chega é inútil. Portanto morra logo, enquanto estou vivo e ainda há tempo. Tempo de quê? Não sei, tempo. Só se sabe o que fazer com um brinquedo quando se olha pra ele, antes disso qualquer planejamento é inútil. Uma vez esperei por muitos anos (veio daí meu ódio pela espera?) um presente e planejei cuidadosamente todas as formas de usá-lo antes mesmo de tê-lo em mãos. Tinha em mente anos de ocupação -- tudo absolutamente vão. Finalmente recebi-o e não sabia mais o que fazer com ele -- tinha-o esgotado em pensamento. Mas não tinha importância: passei a olhá-lo com calma -- porque sei ter calma sem espera -- e percebi nele milhões de novos detalhes que meu pensamento nunca seria capaz de captar, sozinho. E inventei inesgotáveis milhões novas formas de brincar.
Vou explicar: meu ódio da espera vem da sensação de impotência: o que se pode fazer esperando? É uma agonia tão grande a da expectativa. Estou por exemplo há tempos esperando uma viagem que não chega nunca. E o desespero não é nem o de ir embora porque esse eu não o tenho. O problema é o status social de quem espera: o de um amputado. De repente você se vê fora de todos os planos, como se a iminência da partida fosse razão para exclusão -- decidem que é e pronto, estou invalidado. Como se a espera te impossibilitasse de assumir compromissos: eu que vou embora e os outros que têm medo. Pois digo uma coisa: deixem um pouco de ansiedade pra mim também. Porque, apesar do ditado, a partida não é mais fácil pra quem vai do que pra quem fica: a ruptura é recíproca.
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Apenas seguindo o script
E eu já devia ter desistido dessa ideia de ficar procurando uma paixão que justificasse tudo. Jogar todas as fichas num pré-requisito universal é hábito que desde a concepção se revela desastroso -- afinal, elevar algo à condição absoluta de tudo deixa o amargo efeito colateral de rebaixar todo o resto a nada enquanto essa coisa não passa de sonho. É muito mais prático pulverizar seus alicerces ou eliminá-los de vez, encarando tudo não como condição, mas como um possível catalisador pra felicidade.
Porque não dá mesmo pra fingir que há alguém que não se importe muito com ser feliz. Querendo ou não...
estamos todos condenados à felicidade.
E essa obrigação é tão limitadora.
Porque não dá mesmo pra fingir que há alguém que não se importe muito com ser feliz. Querendo ou não...
estamos todos condenados à felicidade.
E essa obrigação é tão limitadora.
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