quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sobre a finitude do amor

Do artigo da Folha: "Amor acaba antes da 'crise dos sete anos', dizem estudos", acessível por aqui: http://bit.ly/lczA0L
(Primeiro vem a citação de alguns trechos. Depois, faço comentários. Recomendo a leitura do artigo inteiro. E, ah! Os grifos são meus, claro.)

"Quanto tempo passa entre a troca encantada de olhares e o momento que você repara nos defeitos do seu amor?

Para o senso comum, a prova de fogo vem na "crise dos sete anos". Uma expressão popular nos Estados Unidos diz que após esse tempo, a coceirinha, a "seven year itch", começa a incomodar o casal.

Já um psicólogo evolucionista chutaria que o prazo de validade do amor gira em torno de quatro anos -o suficiente para que o homem ajude a mulher a cuidar da criança, até que essa esteja apta a seguir por conta própria na tribo nômade.

Mas um levantamento feito em cerca de 10 mil residências nos EUA pela Universidade de Wisconsin encontrou um tempo de duração ainda menor do amor: três anos.

É o mesmo tempo apontado em estudo patrocinado pelo estúdio Warner Brothers, feito com 2.000 adultos no Reino Unido. Foram comparados casais em relações curtas (menos de três anos) e longas (mais de três). No primeiro grupo, 52% afirmaram gostar das relações sexuais. No segundo, apenas 16%.

É claro que, nesses estudos, amor e paixão foram considerados sinônimos.

(...)

A atuária Luiza Ferreira, 28, de Brasília, trabalha com números, mas não sabe quantificar quanto dura o amor. Só sabe que o sentimento é passageiro. "Meus pais se separaram quando eu era pequena", explica.

(...)

O supervisor mecânico Fernando Vicente, 50, e a professora Sílvia, 45, estão casados há 26 anos. Dizem nunca ter passado por uma crise.

"Se ela não é minha alma gêmea, é a mais próxima disso", diz Vicente. Mais da metade dos amigos deles já se separaram, acrescenta.

MONOGAMIA SERIADA

O cineasta Roberto Moreira, 50, diz que o amor pode ser eterno, "mas a probabilidade é pequena."

Para ele, relacionamento que dure mais de dez anos é um "sucesso".

Moreira lançou em 2009 o filme "Quanto Dura o Amor?", que narra a busca melancólica de uma atriz, uma advogada e um escritor por um amor que dure.

"Talvez o melhor título fosse 'Quanto Dura a Paixão?', porque o amor só vem quando o outro deixa de ser uma projeção sua", afirma.

No filme, os amores são tão efêmeros quanto as relações na cidade. "O final é pessimista, mas mostra que muitas pessoas podem crescer com o amor", diz Moreira.

Professora de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais e autora de "Reinvenções do Vínculo Amoroso" (Ed. UFMG), Marlise Matos não despreza a dimensão biológica --e mais efêmera-- do amor. Mas se concentra na dimensão que é pura construção social. "O amor pós-moderno é a possibilidade de dissolução."

O psicanalista Francisco Daudt, colunista da Folha, diz que vivemos um tempo de "monogamia seriada".

"É poligamia disfarçada. Cumprimos o papel de polígamos, mas com uma pessoa de cada vez.""

É engraçado como existem pessoas que dedicam tempo e dinheiro em pesquisas que tentam provar que o amor não existe -- como se não bastasse a tristeza da própria desilusão, há a necessidade de convencer todo o resto do mundo a ser desiludido também. É um comportamento semelhante àquele de crianças birrentas que, obrigadas a compartilhar um brinquedo, preferem quebrá-lo a emprestá-lo a alguém: "se eu não tenho, ninguém pode ter".

O esforço por si só é digno de nota, mas atenhamo-nos aos meios: tão desesperada era a ânsia de demonstrar a tese que o resultado foi uma dissertação completamente falaciosa. Logo após a apresentação da pesquisa, é citado que não houve distinção entre paixão e amor (claro, duas coisas idênticas, como todos sabemos), para depois, durante toda a apresentação das entrevistas, serem tratados como as coisas distintas que são. Ok, as entrevistas são uma parte da reportagem e a pesquisa, outra; mas não se pode "validar" o resultado de uma pesquisa com experiências se elas se baseiam numa interpretação diferente da que foi usada durante a coleta de dados.

Além disso, o título chama a atenção: "Amor acaba antes da 'crise dos sete anos', dizem estudos". Acaba? Por quê? Porque umas tantas pessoas não tiveram relacionamentos duradouros? Mas a própria reportagem encontrou um contra-exemplo! O casal Fernando e Sílvia estão casados há 26 anos e, além disso, relatam nunca ter passado por uma crise. Então eles estão mentindo? Ok, suponha que estejam. Diferentemente do que parece ser crença comum, exemplos não provam nada. Você pode não conhecer nenhum portador de HIV, nenhum apoiador do Bolsonaro, ninguém que goste de ópera ou que tenha vindo do Acre -- o que, de maneira alguma, significa que eles não existam. O que mostra que nenhuma pesquisa, já realizada ou a ser realizada, vai provar coisa alguma - do mesmíssimo jeito que ninguém nunca vai demonstrar que Deus não existe. Pesquisas só refletem opiniões. E eu posso achar que 1+1=11, mas isso não vai mudar nada no mundo, não (felizmente).

Por fim, é detestável a leviandade com que tratam o assunto. Como conclusão, fica a declaração de Carlos Alberto Riccelli sobre o tema: "O amor existe e dura para sempre. Ele existe para sempre, para a gente usar e abusar. Uma coisa é boa quando é cada vez melhor. Nada existe parado na vida. Tem que evoluir. A paixão é momentânea. Mas você pode viver uma história de amor com grandes momentos de paixão para o resto da vida. Muitos amores acabam por impaciência."

(E interessante colocação a de Francisco Daudt, no fim da reportagem: "É poligamia disfarçada. Cumprimos o papel de polígamos, mas com uma pessoa de cada vez." É o amor líquido? Mas isso é matéria pra outro post.)

5 comentários:

  1. Sobre seu comentário "como se não bastasse a tristeza da própria desilusão, há a necessidade de convencer todo o resto do mundo a ser desiludido também" eu acho que na verdade é justo o oposto. Acho que a ideia é consolar as pessoas que já se desiludiram, não? Não é tentar arrancar a ideia de quem acredita, porque usando sua mesma comparação com Deus, é uma crença, algo meio que como fé. E não vai ser pesquisa nenhuma que vai tirar isso de ninguém. Mas quem já sofreu um bocado, talvez queira isso pra se sentir melhor.

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  2. Não é fé. Tem gente que acredita porque vivenciou, ponto. Não acho que comparar amor com religião seja apropriado.
    E você acha que alguém desiludido ouvir que o amor não existe seja consolo? Consolo pra mim é "não deu certo dessa vez, pode dar na próxima" e não "não deu certo dessa vez nem vai dar nunca".

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  3. Humn... Você falou em provar que Deus existe, por isso a comparação me veio à mente. Não parei muito pra pensar sobre ela. Mas sobre a questão de acreditar porque acredita, eu me referia a aqueles que nunca vivenciaram esse amor sem prazo de validade.

    E eu acho que pode ser o consolo de que a pessoa não fez nada de errado, que acabou porque era pra acabar. Ou que você nunca encontrou o amor da sua vida porque ele não existe. Às vezes a gente se culpa e carrega pesos que não precisava carregar.

    Mas o que me incomodou mais na verdade foi o final:
    *Ele tem perguntado a seus pacientes se se imaginam casados com a mesma pessoa daqui a 20 anos.

    "A negativa é frequente. Estamos menos hipócritas."*
    Porque eu levei pro pessoal. =P Eu acho que as pessoas pretendem ficar juntas por vinte anos ou mais, mas que estamos mais susceptíveis a variáveis externas.

    Mas acho a pesquisa desperdício de dinheiro também. =P

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  4. Eu tenho a péssima mania de me ramificar demais as minhas argumentações... a comparação com Deus foi mais no sentido de que não importa se toda a humanidade acreditar ou não acreditar em sua existência, ela vai continuar sendo uma questão em aberto (no sentido matemático da coisa, de não provada). Era mais um exemplo de como opiniões não fazem nada existir ou deixar de existir.

    E "acabou porque era pra acabar" é fatalista demais pra mim. Acaba porque alguém não quer mais, porque o amor acabou, porque não deu certo ou por qualquer outro motivo, mas não "porque era pra acabar". E você não ter tido culpa não é consolo suficiente por você não ter tido culpa? Continuo achando que o "não daria certo de qualquer jeito" é muito mais condenação que consolo.

    Sobre a pergunta final, é mais um dos detalhes manipuláveis da pesquisa: a pessoa não se imaginar casada com a outra daqui a 20 anos pode ser mero reflexo de ela não conseguir SE imaginar daqui a 20 anos (eu não consigo).

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